Os 200 anos da Revolução Pernambucana no Cariri Cearense


Os 200 anos da Revolução Pernambucana no Cariri Cearense
           
                                                                                             por Heitor Feitosa Macêdo
        
         A Revolução de 1817 rompeu primeiramente em Pernambuco, sendo também chamada de “Revolução dos Padres”, devido a participação de sacerdotes ligados ao Seminário de Olinda.
         Tal revolução se apoiava em princípios iluministas do século XVIII, trazidos da Europa, cujo lema se resumia a três palavras básicas: liberté, egalité e fraternité, o que, quando traduzido do francês para o português, significa: liberdade, igualdade e fraternidade.
         Na corrida em busca da liberdade, o Brasil assistiu a vitória das Treze Colônias sobre a Metrópole inglesa que alcançaram a liberdade com o nome de Estados Unidos da América no ano de 1776; também viu a Revolução Francesa se desvencilhar do absolutismo monárquico através destas ideias e de muito sangue, em 1789; tudo isso sendo motivado pelos referidos princípios iluministas.
         Não demorou para que estas ideias, até então consideradas subversivas, chegassem ao território brasileiro, onde, por óbvio, provocaram grande euforia, o que é demonstrado pela deflagração da Inconfidência Mineira, em 1789, a qual foi rapidamente abafada, restando deste esboço revolucionário a sua bandeira com desenho triangular, de influência maçônica, e com a bela frase latina: libertas quae sera sera tamen, isto é, “liberdade ainda que tardia”.
         Não bastasse tanto reboliço, a semente iluminista ensaiou germinar novamente em solo pátrio no ano de 1798, desta vez, na Bahia. Porém, sua duração foi breve, ficando esta tentativa conhecida na história com os nomes de Conjuração Baiana, Revolta dos Alfaiates e Revolta dos Búzios.     
         Na senda da liberdade e da independência, os pernambucanos “abriram dos peitos” e abraçaram a causa. A primeira tentativa veio com a Inconfidência dos Suaçuna, em 1801, tendo à frente o poderoso clã dos Cavalcante de Albuquerque, magnatas da açucarocracia nordestina e aboletados na burocracia colonial brasileira desde a era de 1500. Todavia, o plano dos Suaçuna foi descoberto e abortado pelas autoridades.
         Mas os pernambucanos eram teimosos e arengueiros, pois, além de manhosos, estavam acostumados com as guerrilhas (guerras brasílicas) desde longa data, ao tempo das invasões holandesas, época em que a coesão das “etnias” em solo brasileiro (portugueses, negros, índios e mestiços) redundou num sentimento nativista. Também, deve ser destacado que Pernambuco foi palco da Revolta dos Mascates no ano de 1710, onde brasileiros (senhores de engenho) e portugueses (comerciantes, também chamados de mascates) entraram em conflito por questões financeiras, o que terminou fomentando mais desavenças nas primeiras décadas do século XIX.
         Estes foram alguns dos ingredientes para a deflagração da Revolução Pernambucana de 1817, que, por estar metida com o iluminismo, também desejava a Independência do Brasil e a instalação de uma República.

Bandeira confeccionada pelos rebeldes pernambucanos em 1817. As estrelas representam apenas as capitanias de PE, PB e RN.
        
         Em Recife, os revolucionários tiveram que antecipar a execução dos planos, pois a Coroa portuguesa, ao tomar conhecimento da trama, tencionou prender e matar vários indivíduos, sobretudo, gente da elite agrária. Por isso houve a reação do Leão Coroado (José de Barros Lima), ao atravessar de espada o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, depois deste lhe ter dado voz de prisão, no dia 6 de março de 1817. No mesmo dia os revolucionários tomaram as ruas da Vila de Santo Antônio do Recife.
         Para alcançar seus objetivos os “patriotas” não mediram esforços, buscando apoio das outras nações, sobretudo das que há pouco haviam praticado atos de rebeldia, como os Estados Unidos e a França. Mas os seus projetos iam além, pois de tudo fizeram na tentativa de resgatar o general Napoleão Bonaparte, preso na Ilha de Santa Helena (Costa da África), para que este comandasse as tropas do “Norte” do Brasil.  
         Mas se o apoio do exterior era importante, também era necessário ganhar a adesão das população residente no Brasil. Desta feita, expandindo o movimento revolucionário para as capitanias vizinhas, como PB, AL e RN, também era necessário tomar o Ceará, pois a posição geográfica seria estratégica para avançar sobre o Maranhão e as demais capitanias ao Norte da colônia brasileira (MA e PA).
         Inicialmente, foi o ouvidor-geral do Ceará João Antônio Rodrigues de Carvalho o responsável por preparar a revolução neste lugar, o que fazia através de “conciliábulos” realizados de madrugada nas casas dos moradores mais importantes. Na verdade, essa sua estratégia baseava-se em criar “clubes” de maçonaria. Contudo, os segredos do projeto revolucionário vazaram e, ao se inteirar disto, o governador da mesma capitania, Manoel Ignácio de Sampaio, determinou a prisão do ouvidor Carvalho, o que se deu no dia 30 de março de 1817.
         Diante deste entrave, os revolucionários pernambucanos não desistiram, mandando mais dois “patriotas” ao Ceará, a fim de matar o governador Sampaio, e, depois, revolucionar a dita capitania. Os “patriotas” escolhidos para a missão foram dois cearenses residentes em Pernambuco, Francisco Alves Pontes e Matias José Pacheco, os quais embarcaram em uma jangada no dia 14 de abril de 1817 levando armas, fardamento e correspondências do Governo Provisório de Pernambuco.
         Entretanto, durante essa navegação de cabotagem, na altura do presídio de Canoa Quebrada, foram descobertos e presos no dia 25 de abril de 1817, mas, antes disso, arremessaram a maioria das provas materiais ao mar, na tentativa de despistar as autoridades portuguesas.
         Portanto, as duas primeiras invectivas dos revolucionários pernambucanos em tomar o Ceará foram desbaratadas. Foi por isso que resolveram enviar por terra um jovem eloquente, estudante do Seminário de Olinda, o então subdiácono José Martiniano de Alencar. E isto ocorreu por diversos motivos, pois o jovem sertanejo, além de muito inteligente, possuía íntimas relações com o vigário da Vila do Crato, Miguel Carlos da Silva Saldanha, bem como com o capitão-mor da mesma localidade, José Pereira Filgueiras, indivíduo que o povo caririense seguia e adorava cegamente. Assim, tendo nas mãos a cruz e a espada, Alencar era o mais indicado para deflagrar a Revolução no Ceará, que, desta vez, deveria ser conquistado do sertão em direção ao litoral.
         Tratado pelo pseudônimo de “Patriota B”, José Martiniano de Alencar seguiu para o Ceará na companhia de um colega de seminário, Miguel Joaquim César (“Patriota A”), o qual também tinha a missão de revolucionar o sertão do Rio do Peixe, na capitania da Paraíba, vizinho ao Cariri cearense (Cariris Novos).
         No dia 29 de abril de 1817, Alencar chegou à casa materna, no Sítio Pau Seco, hoje no município de Juazeiro do Norte, mas, à época, fazia parte da Vila do Crato. Daí, no dia 30, passou ao sítio vizinho, o Pontal, onde residia seu padrinho de crisma, o vigário Miguel Carlos da Silva Saldanha, que, ao tempo, era apontado como sendo o genitor de José Martiniano de Alencar. Neste derradeiro sítio recebeu a visita de muitos correligionários.
         Já tendo palestrado com os principais da terra no intento de persuadi-los em favor da causa revolucionária, na manhã do dia 3 de maio de 1817, em um domingo, o “padre” Alencar foi à missa na Igreja Matriz da Vila do Crato, onde, depois da ouvir a homilia do pároco, dirigiu-se ao púlpito e leu um dos textos símbolo da revolução em Pernambuco, o “Preciso”, escrito pelo advogado Mendonça. Em seguida, proclamou a Independência da vila em relação a Portugal bem como instalou a República, indo até a casa do Senado para oficializar o ato, substituindo os oficiais da Câmara (juízes ordinários, vereadores e escrivães) por gente de sua confiança, isto é, revolucionários. Na ocasião destes fatos, também hasteou-se uma bandeira branca, como era o costume dos patriotas.
         No dia seguinte, 4 de maio de 1817, foi promovido um jantar na casa de Dona Bárbara Pereira de Alencar, na Vila do Crato, o “Jantar da Liberdade”, convidando-se para o banquete os maiorais do lugar, entre estes o capitão-mor José Pereira Filgueiras, que compareceu ao rega-bofe na companhia de seu filho, de um sobrinho e de seu “íntimo”, ou melhor, cabra, José de Sousa Brabo. Diz-se que o clima foi tenso e com tímido diálogo, havendo muita sobriedade, inclusive no que tange ao brinde da comemoração, pois, das duas garrafas de vinho postas sobre a mesa, beberam apenas a metade de uma destas. Cabe ressaltar que a História ainda não explicou com clareza a participação dúbia do referido capitão-mor nos fatos concernentes a 1817.
         Ao chegar o dia 5 de maio do referido ano, José Martiniano e outros revolucionários foram à Vila de Jardim/CE, e, na companhia de um dos moradores, Leonel Pereira de Alencar, irmão de Bárbara Pereira de Alencar, também deflagraram a República e a Independência.
         Praticamente, não há informação sobre o que ocorreu nestas duas vilas nos dias subsequentes, e esta obscuridade permanece até o dia 11 de maio de 1817, quando as tropas realistas promoveram a restauração da Vila do Crato.
         A contrarrevolução logo começou a ser arquitetada pelos monarquistas. Mas o sucesso disto dependia do apoio do homem mais venerado pelo povão da época, o capitão-mor da Vila do Crato José Pereira Filgueiras. Patriotas e realistas sabiam disto e, por esta razão, disputavam cada palmo da simpatia de Filgueiras. Conhecendo bem a situação, o coronel Leandro Bezerra Monteiro, o líder mais exaltado da contrarrevolução, logo cuidou em dissuadir o capitão-mor Filgueiras da neutralidade que vinha mantendo desde o dia da deflagração do movimento, posto ser amigo íntimo da família Alencar e do vigário geral do Crato, Miguel Carlos da Silva Saldanha.
         Em 1817, Filgueiras já possuía, aproximadamente, 58 anos, por conseguinte, era ele um homem experiente o bastante para não arriscar o pescoço em aventuras políticas, afinal, ser revolucionário significava cometer crime de lesa majestade, cuja pena consistia em morte cruel, infâmia da família e confisco dos bens. Que homem em sã consciência teria coragem de expor a si e toda sua família a riscos tão graves?
         As informações trocadas com Cariri seguiam de forma lenta e repleta de boatos, o que dificultava apreciar a real situação do embate entre a revolução e a contrarrevolução. Na maioria das vezes, combatia-se sem ter a certeza de qual lado estava ganhando. No dia da contrarrevolução do Cariri, 11 de maio de 1817, os patriotas ainda estavam no poder na Vila do Recife, contudo, no dia 20 do mesmo mês se entregaram aos realistas. Filgueiras não podia vacilar, pois, a depender de sua postura, além de sua família, muita gente poderia ser atingida pelas duras consequências das Ordenações Filipinas (Livro V, Título VI).
         Desta maneira, Filgueiras, a toque de caixa e tiros de bacamarte, reuniu numerosa tropa e seguiu para o Crato na companhia do coronel Leandro Bezerra Monteiro, onde apearam no alto do Barro Vermelho (tope da atual ladeira Duque de Caxias), hasteando a “bandeira real”.
         A cena abalou fortemente a maioria dos “revolucionários”, que, ao tomarem conhecimento de que Filgueiras liderava a tropa prestes a invadir a vila, meteram o pé na carreira, permanecendo muito pouca gente na hora da restauração. Além de seus irmãos, José Martiniano de Alencar quedou-se sofregamente no lugar, munido de uma faca, que logo lhe foi tomada no ato da prisão. Já na Vila de Jardim, a restauração independeu de qualquer esforço dos monarquistas, pois os patriotas fugiram às pressas ao saber desta notícia.  
         A primeira leva de presos fora enviada tão logo para Icó, entregando-se a escolta a Joaquim Pinto Madeira. Desta parte seguiram para Fortaleza sob a escolta do capitão Manoel da Cunha Freire Pedrosa, mas não sem percalços, pois houve fuga de parte dos presos, entre eles Tristão Gonçalves Pereira de Alencar. Daí, depois de recapturados, os presos foram enviados para Recife/PE, e, depois, a maioria, para os cárceres da Bahia, junto com boa parte dos revolucionários das outras capitanias.
         Acrescente-se que nos meses subsequentes à restauração outras prisões foram feitas, pois muitos patriotas tentaram dissimular suas posições políticas a fim de se livrarem da repressão das autoridades, no entanto, muitos foram identificados e capturados com o passar do tempo.
         Disse o pesquisador Luís da Câmara Cascudo que a Revolução Republicana de 1817 foi “a mais linda, inesquecível e inútil das revoluções brasileiras”. Talvez ela não tenha logrado êxito imediato, mas serviu de comburente para os diversos movimentos posteriores, direcionando os caminhos que trouxeram o País para a atual situação política e institucional, pois seu ideal continuou aceso nas mentes malogradas de 1817, possibilitando alcançar, paulatinamente, a Independência, a primeira Constituição, a República, a Democracia, Direitos e Garantias, Liberdade de Expressão, Liberdade Religiosa, etc.
         Diante dos 200 anos da Revolução Republicana no Cariri cearense, em 3 de maio de 2017, publicamos uma lista com os nomes dos indivíduos que estiveram envolvidos a favor da Revolução Republicana de 1817 no território da então Capitania do Ceará Grande. (Obs: utilizamos como fonte a lista apresentada pelo padre Francisco Tavares Muniz, em sua obra “História da Revolução de Pernambuco em 1817”, e a relação dos réus presos existentes na Cadeia da Relação da Bahia, Biblioteca Digital Luso Brasileira, disponível em: <https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/38002>. Acesso em 16/05/2017, às 19hs34min.):
1- Antônio da Costa, cabra do Lameiro
2- Antônio de Holanda Cavalcante ou Antônio de Holanda Chacon
3- Alexandre Raimundo Bizerra (Bezerra)
4- Agostinho Pinto de Queirós
5- Bárbara Pereira de Alencar
6- Bartolomeu Alves de Quental
7- Carlos José da Costa, Padre (filho de Bárbara Pereira de Alencar)
8- Estêvão José de Lima
9- Félix Carneiro, cabra do Lameiro
10- Francisco Alves Pontes
11- Francisco Antônio Raposo da Câmara
12- Francisco Cardoso de Matos
13- Francisco Carlos de Rezende Zacarias
14- Francisco Manoel de Barros, Padre
15- Francisco Pereira Arnauld
16- Francisco Pereira Maia Guimarães
17- Frei Francisco de Santa Anna Pessoa
18- Gerardo Henrique de Mira
19- Gonçalo Borges de Andrade, Padre
20- Inácio Tavares Benevides (casado com uma irmã de Bárbara Pereira de Alencar, chamada Genoveva Pereira de Alencar)
21- Jerônimo de Abreu, crioulo forro
22- João Antônio Rodrigues de Carvalho, ouvidor-geral
23- Joaquim da Costa, cabra do Lameiro
24- Joaquim Francisco de Gouveia
25- José Carlos de Oliveira
26- José Cipriano dos Santos Gaforino
27- José Martiniano Pereira de Alencar, Padre (filho de Bárbara Pereira de Alencar)
28- Jerônimo de Abreu
29- Leonel Pereira de Alencar (irmão de Bárbara Pereira de Alencar)
30- Lourenço Mendes
31- Manuel da Costa, cabra do Lameiro
32- Manoel Domingos de Andrade
33- Manoel Carlos da Silva Saldanha (irmão do padre Miguel Carlos da Silva Saldanha e casado com uma irmã de Bárbara Pereira de Alencar, Antônia Pereira de Alencar)
34- Manuel Gonçalves da Fonte, Padre
35- Manuel da Silva, cabra do Lameiro
36- Mathias José Pacheco
37- Miguel Carlos da Silva Saldanha, Padre
38- Miguel Justo, cabra do Lameiro
39- Pedro Leite da Silva
40- Raimundo Pereira de Magalhães
41- Tristão Gonçalves Pereira de Alencar (filho de Bárbara Pereira de Alencar)

                       
             



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